14 outubro, 2005

Bruno Garnier e o regresso ao bairro antigo I


O Edifício Brandoa, no seu fausto de automatismos inúteis, era um símbolo de uma nova época de bem-estar conforto e solidariedade não igualitária. Era também o exemplo de uma arquitectura que descaracterizava a velha freguesia clandestina e que houve que deter por ali. O bairro era na naquela época a a coqueluche romântica do chic suburbano e isso agradava a todos. Valorizava-se a “genuinidade arquitectónica”, a “primitividade da solução de baixo custo” e a “clandestinidade”; jóia libertária catita rainha das ideias catitas que eram bradadas em todos os jornais catitas e recebidas com muita reverência catita por quase todos os catitas de então! O kitch em segunda mão havia-se tornado na marca máxima do bom gosto de tudo o que fora pobre e inculto e era agora "história e cultura". É óbvio que os esgotos a céu aberto que corriam alegre e corajosamente pelas ruas mal traçadas até finais da década de oitenta do século anterior não poderiam ser recuperados por imperativos sanitários. De contrário, tudo o que permitia “o regresso às origens” era bem vindo e as soluções agradavam mesmo sem serem dispendiosas. Por exemplo bastava ir aos despojos camarários de equipamento urbano para encontrar um velho chafariz a cair de podre e instalá-lo onde antes havia estado um idêntico no largo mais conhecido do baixa brandoense. Bruno Garnier estava exultante por encontrar o seu velho bairro cada vez mais parecido com aquele que existia na sua infância. No entanto nem todos pensavam como ele. A transformação não era pacífica; muitos consideravam que aquele era um expediente para disfarçar a falta de vontade política em continuar a apoiar os habitantes que entretanto eram de novo pessoas deixadas ao abandono pelo mega capitalismo global e ultra liberal! Garnier passeava agora nas ruas do burgo, falava alto, cuspia para o chão e tudo isto era permitido e até encorajado no perímetro limitado da baixa! Pululava de alegria naquela paraíso suburbano renascido, sentindo uma liberdade cuja origem era desconhecida para ele, mas que certamente se justificava pela excepção que o bairro constituia em relação a todo um Portugal voluntariamente amordaçado, democraticamente manietado! Uma Brandoa agora pitorescamente pobre e insalubre era um expediente excelente na caça turística ao exótico em ambiente controlado ! Toda a sujidade diária causada por aquele viver revivalista era limpa e desinfectada por robôs que trabalhavam a muito baixo custo… e que para mais nunca faziam greve… se o fizessem o computador urbano logo tratava de os mandar para as oficinas da Câmara!!! A Brandoa era agora o habitat natural do animal Garnier e prometia ser um exemplo do ataque final ao sector primário e secundário!!! Os "irmãos catitas", na época netos de uns não catitas quaisquer do século XX eram agora contra revolucionários amarrados ao parque clínico de Lisboa e cantavam uma música dedicada ao seu colega Garnier:
O nosso amor é verde...
Nós somos verdes...
Verdes,
Quando regressa a Primavera.

Verde,
É tudo quanto é belo.

Tu és verde, meu amor...
Verde, verde.
O nosso amor é verde...... Mas não digas a ninguém!