08 março, 2006

RETRATO DO ENGENHEIRO COM UM PATO NO MAPA


Saltitante e inspiradora, a voz sábia do Sérgio Godinho entoava no ar, enquanto os empregados do restaurante andavam de um lado para o outro com bandejas repletas de iguarias velozes.


Cuidado Casimiro
Cuidado com as imitações
Cuidado minha gente
Cuidado justamente com as imitações.


A um canto da sala estava sentado um homem discreto. Cauteloso como poucos, abominava carne branca.
Aves constipadas? Como seria o espirro de uma ave? Enquanto mastigava um saboroso cartão cheio de traços e cores e cidades, a sua mente recuava até à infância dos jogos e do sangue, dos sonhos e dos patos. O quintal da sua casa longínqua, as nuvens baixas, o pequeno lago mágico no jardim, os seus patos--os seus patinhos de criança. E o pai, muito alto e de faca na mão a cortar o pescoço aos patos. E o sangue esparramando-se nos braços do pai pato, as nuvens de sonho em sangue, o quintal a encher-se de sangue, os patos agonizando. Um sonho, um jogo. Lembrava-se de ter chorado convulsivamente. Patatices! Afinal, eram patos patos. Se fossem espertos, teriam imitado os patos que habitavam o paraíso do Norte.


Cuidado Casimiro
Cuidado com as imitações
Cuidado minha gente
Cuidado justamente com as imitações.


Sr. Eng. Sócrates, quer mais um?
Sim, por favor, traga-me só mais um.
Aquele mapa sabia-lhe que nem ginjas. Bom, o cartão. Muito mais apetecível que o rectangular mapa de Portugal. Incrível, espantoso, impressionante. Para quê saborear o mapa-múndi? Para quê misturar outros sabores com as delícias do mapa de Portugal? Para quê saborear um mapa que tresandava a provincianismo?

Cuidado Casimiro
Cuidado com as imitações
Cuidado minha gente
Cuidado justamente com as imitações.









Estava bom, Sr. Eng?
Olhe, esqueci-me de comer um pato tecnológico que vive numa cidade incrível, espantosa e impressionante.Traz-me só mais um bocadinho da planta de Helsínquia, por favor?


Quem era o Casimiro? O mapa de Portugal, o provincianismo dos provincianos e o provincianismo dos estrangeirados. Mas ele era diferente dos outros. Incrível, espantoso, impressionante. Aquele mapa, aquele país, aquele mistério de pato.




1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Bem escrito, muito interessante, mas não é humor, não tem chama para provocar o riso mas a reflexão.

quarta-feira, março 08, 2006 9:52:00 da manhã  

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